Iracema já estava meio cansada. Os últimos dias no hospital nao lhe trouxeram a saúde de volta. Mas alguns exames estavam marcados, e enfim, ela sai deste para outro Hospital, mais para o centro da cidade. De todos os transportes que a garota de vinte e todos anos já se utilizou, ambulancia deveria ser o mais interessante. O 'passeio' seria no mínimo fantastico. Ou quase isso.
Quando pequena, Iracema, andava de caminhão. Na boleira mesmo, sabe. Gritando com os muleques e rindo do vento no rosto. A falta de ar nao atrapalhava, até entao. E ela podia se divertir como qualquer outra criança. Mas os anos foram se passando, e andar lá atrás começou a ser perigoso. Entao, foi na frente mesmo. Conversando com o tio motorista e se divertindo, só pra variar.
Na adolescencia, para poder ir ao hospital, tinha de pegar ônibus ou vans fétidas. As vezes era meio lotado lá dentro. Com gente suada e crianças melequentas. Mas aí nao tinha muito problema. Ela sempre estava acompanhada da irma menor, e sair de casa era sempre uma diversao. A responsabilidade já batia a porta da idade. E ela tinha de inventar estórias durante as viagens da Ceilandia para o Asa Sul. Era engraçado como Iracema conseguia contar pequenos causos com simples instrumentos: nuvens, fios dos postes e muita imaginação.
Com isso, a pequena irma começou a tecer sua propria teia de possibilidades. E começou a gostar desse negócio de contar coisas para os outros. E foi aí que a presença das nuvens ajudou a suportar o dificil trajeto de ambulancia de um hospital a outro. A sirene nao foi ligada. E o motorista tentou em vao nao passar por muitos buracos. Era preciso seguir sem o balao de oxigenio. Foram tres horas de autocontrole evitando assim crises sintomáticas da doença respiratória.
Dentro da ambulancia haviam quatro passageiros atras e um na frente. Dois eram doentes, e os outros dois acompanhantes. O ultimo era Ângela, a enfermeira bacaninha do hospital. Era legal andar lá atrás. Claro, que nada se compara aos passeios no caminhao do Tio Adjuto ou ainda nos ônibus e vans. E nem um pouquinho parecido com o conforto do carro do pai, mas vamos se imbora que o hospital nos espera.
Nao era como nos filmes. Nao haviam bombeiros saradoes e enfermeiras 'gente finas' pra ajudar em alguma coisa. Haviam sim tubos para aplicação de oxigênio nos doentes sem utilização, uma maca com o colchão rasgado, lençois sujos de poeira, bancos laterais para a equipe médica inexistente e, por fim, cheiro de vomito com gasolina. Foi engraçado, Iracema tentando se controlar, a irma preocupada em segurar uma cadeira de rodas, a maca, a irma doente e atender o celular.
E volta e meia a pobre grita: 'Socorro que é hoje que eu vou'. Vai nada. A moça ainda tem aqueles mesmos vinte e poucos do qual falei no inicinho. Nem terminou a faculdade. E quando a noite cair novamente, as músicas que embalaram os contos fantásticos da garota tocarem na radio, o filme da Disney passar sábado de manha na tevê, e por fim, a saudade de ver Alice bater beeem forte, Iracema já estará de volta. Para mais uma crise quase morte. Então volta! Volta pra gente Iracema! Que cê faz uma falta de um tantão....